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Quando Deus tem outros planos: Uma jornada de uma equipe missionária 22/02/2018

Quando Deus tem outros planos: Uma jornada de uma equipe missionária

Por Nicole Owens | Tradução Janaina Medeiro

A República Central Africana (RCA) é o lugar menos feliz da terra. Ao menos de acordo com o Relatório Mundial da Felicidade da ONU. No Índice de Desenvolvimento Humano, ocupa o último lugar entre 188 países. Mas também é o lar de pessoas as quais Deus ama mais do que a vida em si, razão pela qual nós fomos para lá.

Levou muito tempo para chegarmos em Zemio. A jornada começou em 2009 para os líderes da nossa equipe. O resto de nós começou a se sentir chamado para o povo Mbororo entre 2011-2014. Porém, conflitos na RCA nos levaram a vários adiamentos. Então nós esperamos, oramos e ficamos imaginando se iríamos colocar nossos pés em Zemio algum dia. Finalmente, em novembro de 2016 tivemos permissão para a entrada.

Pelas janelas do monomotor, nós vimos desde as cidades secas e agitadas de Uganda até as matas e selvas da República Democrática do Congo (RDC). Algumas horas depois, avistamos o rio Mbomou brilhando ao sol do meio dia. Estávamos chegando na RCA.

Parecia um milagre quando saímos do avião e pisamos na terra avermelhada de Zemio. Tudo era brilhante, quente e inacreditável: toda aquela cor e o brilho dos sorrisos calorosos de uma centena de pessoas Zande. Parecia que a cidade inteira tinha vindo nos encontrar, cercando-nos com apertos de mão e cânticos animados.

Eu me senti perplexa e maravilhada, mas também profundamente aliviada: era como se tivéssemos feito uma viagem longa e difícil e chegado em casa finalmente.

Nós tínhamos uma dupla missão em Zemio. Primeiro: suprir as necessidades materiais e as necessidades do evangelho dos Mbororo. Segundo: fortalecer e mobilizar a igreja Zande. Apesar das duas tribos serem vizinhas, um abismo de desconfiança impedia que seus mundos se unissem. Nós esperávamos ser uma espécie de ponte humana entre eles.

Os Mbororo chamam atenção onde quer que eles vão e são frequentemente vistos como pastoralistas primitivos. Eles vagueiam pelas terras do interior com seu gado por vários meses de uma só vez, seguindo a chuva. Em Zemio, entretanto, as mulheres e crianças mbororo viviam em uma vizinhança permanente logo no final da estrada principal. As autoridades locais os viam como um povo vulnerável, sofrendo perseguições incessantes, e deram um pedaço de terra para suas casas, escolas e pequenos jardins.
 
Zemio tem sido lar para os Zande por mais tempo do que se pode lembrar. O evangelho fincou raízes aqui na metade dos anos 1900 e a jovem igreja zande floresceu em alguns momentos e em outros teve dificuldades durante subsequentes décadas de conflitos. Foi dito a eles por anos que irmãos cristãos viriam viver e trabalhar entre eles novamente, animando corações e treinando líderes zande. Quando nós finalmente aparecemos, eles nos acolheram como família. Eles nos ensinaram a prensar óleo, a falar Sango, a acender fogo para cozinhar. Eles podaram árvores para que as cobras parassem de entrar em nossas casas pelo telhado. Eles nos mantiveram vivos. Nossa equipe começou o treinamento de discipulado convidando a igreja Zande a se juntar a nós para alcançar os Mbororo.


Então, algo engraçado.

Nós fazemos os nossos (brilhantes, cuidadosamente estudados) planos e então Deus tem os seus (outros, melhores) planos. Nós pensávamos que a maior parte do impacto da nossa família estaria com os Mbororo, mas logo meu marido Todd se conectou com os rapazes da loja árabe na cidade. Eles eram jovens, generosos, engraçados e tinham estômago sem fundo: não importava a hora que Todd aparecia, eles estavam no meio de um chá ou de um lanche. Eles sorriam puxavam uma cadeira pra ele e colocavam uma xícara de chá picante de gengibre em suas mãos.

Nós éramos cristãos, eles eram muçulmanos e eles nem se importavam com isso.  Eles nos ajudaram a encontrar latas de manteiga ou pasta de tomate, e farinha de trigo (uma raridade no meio de farinhas de milho e de mandioca, elas todas parecem ser A MESMA COISA). Eles peneiravam os gorgulhos para me economizar pelo menos uma hora de trabalho. Eles me enviavam biscoitos de chocolate recheados pelo Todd porque sabiam que eu gostava. Eu acho que o que estou tentando dizer é que eles eram nossos amigos.

Isso tinha todos os ingredientes de um grande começo.

Porém, pobreza somada à opressão podem trazer à tona uma face assustadora da humanidade, fazendo com que líderes militares com sede de poder e milícias rebeldes bem versadas em sequestro e violência percorram sem controle pela selva. Eu sempre tive uma vida privilegiada: uma educação de qualidade, nutrição, paz. Chegar na RCA significava entrar numa narrativa de centenas de anos de horror e brutalidade. Zemio era um pequeno céu no meio disso, um pouco de esperança em uma região, sob outros aspectos, volátil do continente Africano. É uma cidade pequena, de pouca importância, que acomoda trabalhadores de ajuda humanitária e abriga milhares de refugiados. Aqui, certamente, nós pensamos, a paz permaneceria.

Não permaneceu.

Na sexta-feira santa, tiros e fogos de artilharia cortaram a noite. Na manhã seguinte, nossa equipe foi evacuada da RCA .

Hoje, Zemio está tomada por forças rebeldes. A população local fugiu para outras cidades na RCA, ou para o sul cruzando o rio até a RDC. Casas, igrejas e hospitais estão em ruínas. Eu lamento os destroços da nossa casa de tijolos e latas, a tranquilidade do barulho uma vez feliz da nossa vizinhança: crianças em cima de árvores de manga, cabritos gritando, jogos de futebol, o ritmo de paus contra pedras para amassar verduras para o jantar.

Quando os rebeldes atacaram, as pessoas foram pegas entre balas, facões e incêndios pelo vilarejo. Nossos amigos fugiram às cegas, dispersos na fumaça e no desespero. Uma mãe vai parar na RDC, enquanto talvez seu filho siga um fluxo irregular de sobreviventes para Obo. Ninguém tem certeza de onde estão seus familiares, ou mesmo se eles estão vivos.

A maioria dos vilarejos que estão recebendo os sobreviventes de Zemio estão em condições deploráveis e têm suas próprias dificuldades. Nossos amigos deslocados estão em grande necessidade de comida e produtos de necessidades básicas. Eles também precisam saber que não são invisíveis e que não estão sozinhos.

Três anos atrás, eu pedi oração pela RCA, por “cada refugiado assustado entre as linhas de falha”. Algumas vezes me perguntei o porquê de Deus nos permitir ir pra Zemio somente seis meses antes da cidade ser destruída e dispersa. Talvez seja isso: Eles têm nomes agora. Ele permitiu que nós nos conhecêssemos, que as nossas vidas e preocupações se envolvessem, pouco antes de nossos amigos se tornarem refugiados. Eu os conheço agora, conheço os seus rostos, suas aspirações de aprenderem inglês ou informática.

E porque eu os conheço, eu me preocupo se suas crianças estão comendo hoje. Eu me preocupo se minha professora de língua, que andava com as pernas inchadas, conseguiu chegar a salvo em outra cidade. Cada vez que um manifesto não oficial é transmitido de uma cidade próxima, eu olho a lista rapidamente procurando o nome dela. Nunca está lá, mas eu continuo procurando.




Você vai orar conosco por paz? Por cura? Nossos amigos querem muito poder ir para casa e reconstruir suas vidas. E enquanto esperamos por esse milagre, por favor, ore também para que em meio a um cenário de dor, eles possam confiar no amor de Jesus – que conhece muito bem o sofrimento e quem não vai deixar a morte ter a última palavra. Apesar de tudo, nossa esperança é imensa.


*Artigo original de Setembro/2017.

Fonte: AIM Stories

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